“Ensino em casa […] parece ser um daqueles temas predestinados a voltar periodicamente à pauta das discussões na Câmara dos Deputados” (BOUDENS, 2002, p. 03). Esta afirmativa retirada do parecer elaborado pelo Consultor Legislativo Émile Boudens sobre a educação domiciliar no Brasil demonstra a crescente presença desse assunto enquanto fonte de discussão no cenário nacional.
A educação domiciliar – ou seja, a possibilidade da escola ser substituída pelo lar, e dos pais assumirem o papel de professores, instruindo seus filhos, não somente no âmbito moral e religioso, mas também social e científico – já está sendo debatida há um bom tempo em países europeus, orientais e nos EUA, enquanto no Brasil a discussão tem começado a tomar forma somente nos últimos anos, com direito a algumas tentativas de regulamentação por parte do Legislativo em forma de projetos de lei.
Mesmo sendo um assunto indiscutivelmente recente, há no Brasil aqueles que defendem com veemência a idéia da educação domiciliar, enquanto tantos outros a rejeitam categoricamente. Esse embate pode ser claramente percebido nos inúmeros textos encontrados na internet sobre o assunto. Aliás, cabe salientar a considerável freqüência com que esse tema tem aparecido em diversos sites (referentes a notícias, legislação, religiosidade, blogs, etc.), o que comprova um emergente interesse da população pela discussão.
Entretanto, esse debate ocorre, na maior parte das vezes, em nível de senso comum, tendo por base experiências pessoais e interesses particulares. Dessa forma, a discussão acadêmica – pautada em princípios científicos e sustentada por um embasamento teórico consistente – ainda se apresenta bastante modesta, destacando-se a ausência de publicações relativas à temática.
Poder-se-ia investir na tradução de material estrangeiro sobre o assunto em questão – o que constituiria uma contribuição valiosa –, porém, o contexto dos países com trabalhos já em desenvolvimento sobre a educação domiciliar nem de longe é o mesmo do Brasil. Seria impossível adotar material teórico ou prático vindo de fora sem drásticas adaptações relativas à cultura, geografia, língua e história do país. O já citado Boudens afirma:
Aliás, o fato de o estudo em casa ser uma instituição existente em países chamados desenvolvidos não assegura a aplicabilidade da idéia entre nós. No fundo, atrás de cada proposta pedagógica ou institucional está toda uma cultura, que não pode ser transferida, indisciplinada e acriticamente, a outras realidades culturais (2002, p. 16).
Complementando, Gutiérrez e Prieto nos exortam a “[…] não extrapolar fórmulas que, mesmo válidas e eficazes nos países desenvolvidos, têm demonstrado, por experiência, não terem os mesmos efeitos nos países pobres e pequenos” (GUTIÉRREZ e PRIETO, 1994, p. 18).
Dessa forma, torna-se imperativo que a comunidade científica brasileira comece a desenvolver pesquisas, não somente no âmbito da legislação, mas da pedagogia, psicologia, desenvolvimento social, dentre tantos outros campos que perpassam a possibilidade de se instruir crianças em seus próprios lares. Acredita-se que a presente pesquisa é justificada por ser um dos primeiros passos para uma discussão mais ampla e científica sobre o referido assunto.
A demanda por trabalhos científicos relativos à educação domiciliar também é explicitada pelo contato pessoal que tive com várias famílias que demonstram enorme interesse por aplicarem os princípios da referida modalidade com seus filhos, tendo, porém, receio por não haver definições precisas da legislação educacional brasileira sobre o assunto, nem material teórico/prático que possa nortear suas ações.
Para o desenvolvimento efetivo de um trabalho visando desvendar algumas das nuances relativas à educação domiciliar, procurei, através da pesquisa, delinear quais são os principais entraves e as vantagens em relação à implantação do ensino domiciliar no Brasil. Para tanto, objetivou-se: caracterizar essa modalidade de educação, fazendo distinção das demais; analisar a legislação para constatar possíveis entraves na regulamentação legal; obter bases teóricas para explicitar a consistência dos argumentos contrários e dos favoráveis à educação domiciliar; e respaldar as hipóteses levantadas através da observação e análise das experiências práticas realizadas.
Efetivando o trabalho, optou-se por utilizar um enfoque fenomenológico, ou seja, tomou-se como ponto de partida e de chegada a subjetividade dos indivíduos envolvidos na pesquisa.
Foi desenvolvida uma pesquisa do tipo participante, uma vez que tomei parte no processo, sendo sujeito ativo nas ações que foram analisadas.
Paralelamente, foram aplicados questionários a outros sujeitos que foram instruídos através do ensino em casa. Foram contatados seis ex-alunos domiciliares, porém, apenas três responderam ao questionário (destes, um não respondeu a todas as perguntas).
A apresentação do presente relatório foi organizada em quatro capítulos. O primeiro tratou da conceituação de educação domiciliar, demonstrando no que essa modalidade se diferencia das demais e analisando o surgimento dela no contexto histórico. O segundo capítulo buscou analisar a legislação brasileira com o fim de determinar quais seriam as implicações legais para a aplicação de um ensino que ocorreria em casa. Na terceira parte do trabalho relatou-se como ocorreu a parte prática da pesquisa, ou seja, contextualizou-se os indivíduos envolvidos no processo, bem como as ações efetuadas durante o mesmo. No capítulo final buscou-se analisar alguns dos elementos mais pertinentes para o processo de ensino-aprendizagem, contrapondo a concepção dos autores com a realidade observada durante a pesquisa na prática.
(continua...)
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