segunda-feira, 24 de maio de 2010

Elementos integrantes do processo educacional e a Educação Domiciliar (Material Didático)

Material didático
Considerando a falta de material científico específico sobre a educação domiciliar, bem como de estudos relativos à produção e aplicação de materiais didáticos direcionados a esse sistema, para tratar do assunto, buscou-se amparo em aportes teóricos relativos à modalidade conhecida como “educação à distância”. Considera-se que essa “ponte” entre as formas de ensino pode ser realizada devido a proximidade de ambas – em especial no que tange a produção de material didático.
Pela própria natureza de um ensino ministrado pelos pais, o material didático adquire um papel diferenciado e, por que não, mais importante do que nos processos de educação escolar.
Ao tratar da educação à distância, Gutiérrez e Prieto (1994) afirmam que, nessa modalidade, o material é responsável pela mediação que, em termos escolares, é realizada pelos professores. Dessa forma, os materiais didáticos devem possuir características marcadamente diferentes, desde seu planejamento até sua utilização.


A diferença passa inicialmente pelo tratamento dos conteúdos, que estão a serviço do ato educativo. De outra forma: o temático será válido na medida em que contribua para desencadear um processo educativo. Não interessa uma informação em si mesma, mas uma informação mediada pedagogicamente (GUTIÉRREZ e PRIETO, 1994, p. 62).


Tal concepção também é compartilhada por Sales, que afirma ser “o material didático […] um elemento mediador que traz em seu bojo a concepção pedagógica que norteia o ensino aprendizagem” (2005, p. 3).
Em outros países, nos quais a educação domiciliar já é uma realidade concreta, há uma enorme gama de materiais didáticos elaborados especificamente para essa proposta de ensino. Segundo Boudens (2002), nos EUA há uma autêntica “indústria do ensino em casa”, responsável pela produção de material de apoio como: vídeos, jogos, recursos audiovisuais, livros didáticos, módulos de ensino (instrução programada), cursos por correspondência, etc.
Como já foi afirmado, seria inconveniente importar esse material tendo-se o único cuidado de traduzi-lo. O ideal seria a produção de material por parte dos próprios brasileiros, baseando-se na realidade (e, porque não, diversidade) cultural característica do Brasil1.
Diante da necessidade de se produzir material didático específico para a educação domiciliar no Brasil, considera-se que se torna imprescindível uma elaboração consistente teoricamente e muito bem planejada – devido à natureza diversificada da referida modalidade e de seu distanciamento da educação presencial.


O fato de que a modalidade à distância esteja centrada não no professor-educador-que-desaparece, mas nos materiais de instrução, que têm de ser previamente planejados, elaborados, validados e distribuídos, traz uma série de características que é preciso conhecer-se e saber aplicar pedagogicamente com muito mais eficácia e precisão do que na modalidade presencial. Caso contrário, os riscos são maiores e os fracassos poderiam ser irreparáveis (GUTIÉRREZ e PRIETO, 1994, p. 14).


Os autores, tratando da educação à distância, afirmam que a necessidade de um bom planejamento para a produção de materiais didáticos específicos reside no fato destes adquirirem uma função de mediação do conhecimento muito mais profunda do que na educação presencial. Tal realidade é verídica, também, com relação ao material requerido para a educação domiciliar.
Gutiérrez e Prieto (1994) ainda apresentam quatro momentos básico da produção de materiais destinados ao ensino à distância: produção; produto; distribuição e uso.
Segundo os autores, essas etapas estão presentes na elaboração e efetiva utilização de produtos didáticos que, muitas vezes, caem na armadilha do consumismo capitalista, ou mesmo da educação tradicional – conservadora e desprovida de significado. Portanto, afirmam que se faz necessária uma prática de produção pautada, não em um planejamento de vendas, mas em um planejamento educacional, a saber: participativo, dinâmico, contextualizado e que objetive a construção do sujeito que estará se utilizando dos materiais como mediação do conhecimento.
Para tanto, sugerem três fases de tratamento para o material:


a) tratamento com base no tema – trata da delimitação dos conteúdos a serem trabalhados, bem como de recursos pedagógicos com a finalidade de tornar as informações acessíveis, claras e bem organizadas;
b) tratamento com base na aprendizagem – cuida dos exercícios que irão enriquecer o texto, efetivando o processo educativo e o aproximando das experiências e do contexto do aluno;
c) tratamento com base na forma – o último tratamento do material refere-se à apresentação visual do material, ou seja: diagramação, ilustrações, tipos de letras, cores, etc.


Partindo da lógica dessas etapas, os materiais didáticos domiciliares precisariam, em primeira instância, de um currículo bem elaborado e coerente com as exigências sociais em termos de conhecimentos e desenvolvimento de competências. Entretanto, esses conteúdos deveriam ser articulados com a realidade dos alunos. Afinal, uma vez que a “adaptação do ensino à criança” é uma das vantagens apontadas pelos defensores da modalidade, o material didático necessita de uma flexibilidade que permita essa adaptação ao contexto do filho-educando.
Além disso, um elemento que não deve ser descartado é a apresentação visual dos artefatos educativos. Considerando-se que a criança terá uma “relação” mais próxima do material, este deve ser agradável e atrativo esteticamente, instigando sua utilização e evitando eventuais “cansaços”.
Ainda sobre a produção de material didático, Sales (2005) pontua as seguintes características como necessárias para os instrumentos de aprendizagem: interatividade; sequenciação de ideias e conteúdos; relação teoria-prática e auto-avaliação.
Dentre os quatro pontos apresentados, ressalta-se a “interatividade” e a “auto-avaliação” como os mais relevantes para a educação domiciliar. O primeiro se refere a uma necessidade decorrente do caráter mais individual do ensino em casa, o que demanda uma maior interação do sujeito com o objeto do conhecimento, ou seja, o aluno deverá ser capaz de “dialogar” com o material didático, utilizando-o para realizar suas próprias análises e reflexões.
Já o segundo ponto se faz importante pelo caráter de autonomia propiciado pelo homeschooling. Através da auto-avaliação o aluno domiciliar pode constatar como está progredindo em relação a sua aprendizagem e, assim, realizar as modificações necessárias em seu procedimento. Dessa forma, o material didático deve ser elaborado de forma a direcionar a criança nesse processo de analisar sua aprendizagem e utilizar essa análise para seu progresso em termos de desenvolvimento educacional.
Ainda sobre o assunto, Sales (2005) ressalta a importância de recursos tecnológicos como suporte didático para o ensino à distância. Segundo a autora,


No ritmo de mudança, temos vivenciado novidades intensas, também, no contexto educativo e o desenvolvimento permanente das tecnologias de comunicação e informação, dentre outras questões, tem potencializado as estratégias educativas, principalmente na modalidade a distância. Este movimento tem suscitado a reflexão e pesquisa entre os educadores, que buscam refletir sobre a educação neste contexto permeado pelas inovações e a constante transformação (SALES, 2005, p. 2).


Essa visão pautada no aproveitamento de recursos tecnológicos é compartilhada por Grando; Konrath e Tarouco (2003). As autoras afirmam que
[…] utilizando sistemas de ensino-aprendizagem altamente interativos é possível oportunizar um ambiente ativo e aberto de aprendizagem onde os estudantes trabalham visando desenvolver seus planos individuais, com base em suas habilidades, conhecimento e interesses. Neste sentido a organização do material educacional em pequenos segmentos que serão agregados em função das necessidades de aprendizagem dos estudantes é altamente desejável (Grando; Konrath e Tarouco, 2003, p. 2).
Entretanto, ressaltam que a utilização das referidas possibilidades tecnológicas devem levar em consideração, não somente questões relativas à ergonomia ou engenharia de sistemas, mas, principalmente, os pressupostos apresentados por teorias de aprendizagem coerentes e direcionadas por um projeto educativo consistente.
Diante dessas sugestões de ordem prática, há de se refletir, também, sobre a questão tida pela maior parte dos autores como a mais importante a ser considerada para a produção de qualquer tipo de material didático: os objetivos pedagógico-políticos dos sujeitos produtores de tais ferramentas.
Segundo Sales, “consciente ou inconscientemente, o planejamento e a constituição do material didático que mediará situações de ensino e aprendizagem, está intimamente relacionado com a concepção pedagógica do produtor desse material” (2005, p. 3). A autora defende que a mídia escolhida como mediadora do conhecimento elaborado será responsável por grande parte do resultado do processo e que, por isso, deve ser potencializada por um planejamento consistente e intencional (não-neutro). Dessa forma, volta-se a compreensão de que se faz necessário um direcionamento curricular adequado.
No caso dos ex-alunos domiciliares pesquisados, todos utilizaram material didático disponibilizado por um sistema norte-americano de educação domiciliar. “Chamava-se ACE. Era um material vindo dos EUA de uma organização chamada Accelerated Christian Education" (Ex-aluno A).
Já no contexto assistido para a produção da presente pesquisa, não utilizou-se um material didático específico, havendo uma seleção de vários objetos educacionais distintos, levando-se em consideração a relevância dos tais para o processo que havia-se proposto. Essa coleta foi realizada dentro de um universo de opções adquirido anteriormente pelos pais (que já pretendiam aplicar a educação domiciliar mesmo antes do contato com o projeto que culminou com este trabalho). Todos os livros didáticos, atividades, imagens, jogos educativos e audiovisuais são de origem estrangeira (USA) e foram elaborados especificamente para o homeschooling. Cabe ressaltar que o material norte-americano foi escolhido por se adequar, não somente à modalidade de educação, mas à opção dos pais por alfabetizar a criança, primeiramente, na língua inglesa.
Poder-se-ia ter escolhido um único material para ser utilizado, entretanto, optou-se pela mescla das diferentes opções, haja vista algumas deficiências encontradas nas mesmas (em termos de metodologia, apresentação gráfica, clareza do conteúdo, etc.). Pode-se citar como exemplo o material Accelerated Christian Education (ACE) – o mesmo utilizado por todos os ex-alunos de educação domiciliar que responderam ao questionário. Segundo as respostas dos ex-alunos, o referido material apresentava o conteúdo de forma clara, dividindo-se em módulos e segmentando as áreas do conhecimento (disciplinas) através de livros didáticos com as instruções, conhecimentos e atividades. Segundo as respostas dos pesquisados, o ponto forte desse material é a sistematização, como pode ser percebido na resposta do Ex-aluno A: “O ponto forte dele foi a sistematização. Com algo sistematizado, fica fácil se organizar”. Entretanto, exige memorização e “[…] era muito repetitivo” (Ex-aluno C). Dessa forma, considera-se que outros materiais poderiam ser inserido em conjunto, suprindo questões como ludicidade, reflexão e outros aspectos não tão bem trabalhados pelo ACE.
Se faz necessário ressaltar, também, que a ordem dos assuntos abordados nos livros didáticos não foi seguida à risca, procurando-se articular os conteúdos com o planejamento realizado em princípio.
Por iniciativa dos pais, em paralelo, foram apresentados para o aluno domiciliar DVD’s educativos da série Litlle Frog, direcionados especificamente à alfabetização (em inglês). Há de se considerar que a base da alfabetização do aluno pesquisado se deu, quase que em totalidade, através desse material.
Os referidos DVD’s são divididos em 3 discos: o primeiro trata do alfabeto e da relação grafema-fonema; o segundo da junção das letras a fim de formar palavras simples (de uma ou duas sílabas, carregando, apenas, relações “monogâmicas” das letras); e o terceiro apresenta a construção de palavras mais complexas (maior número de sílabas e regras mais complexas de construção das palavras)2.
Ainda em análise do material, pôde-se perceber que a concepção de alfabetização utilizada é a sintética, pautando-se no método fônico – ou seja: iniciar com a apresentação das letras e seus valores fonéticos, prosseguindo para a apropriação de sílabas simples, complexas, frase e textos (em uma escala crescente em termos de complexidade).
Apesar da concepção conservadora de alfabetização, o conteúdo é transmitido de uma maneira muito eficaz e lúdica, a saber: de uma história (em forma de desenho animado) cheia de referências, humor, músicas e macetes para a recordação daquilo que está sendo ensinado. Essa eficiência está explicitada, principalmente, quando observado que o aluno domiciliar assistia aos DVD’s, não em seu período de aprendizado, mas de lazer. Ou seja: o material veio a ser reconhecido pela criança como diversão e, dessa forma, foi assimilado com muito mais propriedade. Por fim, o material também traz jogos multimídia de fixação do aprendido (também considerados pelo aluno como diversão).
A eficiência dessas práticas pode ser comprovada pelo progresso do aluno estudado, mas, deve-se ressaltar que o material é de origem estrangeira, se amoldando ao contexto do caso específico apresentado, sobrando a necessidade de uma produção qualificada de materiais direcionados para o público brasileiro (respeitando as condições teórico-práticas apresentadas anteriormente).
Por fim, acredita-se que as análises aqui realizadas abrangeram um caráter mais geral do assunto, buscando amplitude sobre o tema, e não aprofundamento. Portanto, sugere-se um estudo mais específico sobre a questão, culminando, talvez, com futuros trabalhos científicos relativos, mais estritamente, ao estudo da produção e aplicação de material didático direcionado à educação domiciliar – além da possibilidade de adaptação de outros objetos educacionais proveniente de modalidades de educação diversas, bem como a aplicação das diferentes tecnologias nesse processo alternativo de ensino-aprendizagem.
1Tal ação, não somente possibilitaria a utilização de materiais adequados ao país, como propiciaria o surgimento de um novo ramo no mercado de materiais didáticos, sendo interessante, também, em termos econômicos.
2Durante a pesquisa, somente os dois primeiros DVD’s haviam sido utilizados para a instrução do aluno domiciliar.

2 comentários:

  1. Muito bom esse conteúdo exposto, utilizando uma metodologia diferente e eficaz

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  2. Fábio, os Dvd's descritos neste post, não seriam Leap Frog, ao invés de Little Frog?

    Abraço.

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