sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Cuidados na Ed. Domiciliar - Rotina/Constância

Um outro elemento de suma importância para qualquer processo educativo é a rotina. Para não cair no mesmo erro do artigo sobre planejamento, quero deixar claro desde já que não me refiro à mera repetição diária de tarefas pré-estabelecidas – conceito este que pode surgir em um primeiro momento ao se pensar no sentido de “rotina”. E foi justamente para não passar essa noção errônea que incluí no título deste artigo “constância” como sentido correlato de “rotina”.
Talvez muitos defensores de uma educação mais livre estejam incomodados com esse tema, considerando ser a rotina uma forma de “engessar” o desenvolvimento natural das crianças. Porém, peço que continuem lendo com a mente aberta, pois verão que a rotina/constância tem tudo a ver com uma aprendizagem natural...
Se é assim, onde podemos ver a rotina/constância na natureza? Ela está presente no processo de aprendizagem de inúmeros seres vivos... Por exemplo: várias espécies de aves, sistematicamente, lançam seus filhotes do ninho em queda livre para que aprendam a voar. A pequena ave nunca consegue voar na primeira tentativa, mas seus pais repetem esse processo inúmeras vezes, até que seu rebento alce o primeiro voo. A rotina, a constância e, por que não dizer, a repetição do exercício fazem com que os músculos e o cérebro dos passarinhos sejam exercitados e vão se preparando para a execução do ato primário e para o desenvolvimento da habilidade/competência relacionada a ele.
A mesma estratégia de utilizar a rotina/constância é verificada em predadores que utilizam “brincadeiras” para ensinar seus filhotes a caçar e em presas que criam oportunidades para desenvolver em suas crias a habilidade de fugir, se esconder ou se defender de alguma forma. Na verdade, em praticamente todo o reino animal vemos os pais utilizando a rotina, a constância e a repetição para desenvolver habilidades, competências e capacidades em seus filhotes.
Com isso não estou querendo minimizar o ser humano, nos reduzindo a animais... Longe disso! Mas considerei pertinente utilizar o reino animal como analogia para demonstrar como a rotina/constância não torna o processo de ensino-aprendizagem não-natural, mas que faz sim parte do desenvolvimento de qualquer ser.
Quanto a isso, cabe ressaltar que a rotina/constância é essencial, principalmente, para fortalecer as ligações neurais. O que isso significa? Vejamos...
Em termos biológicos, a aprendizagem ocorre quando os neurônios de um sujeito criam ligações entre si. Essas novas ligações trazem, consigo, o desenvolvimento de novas habilidades e competências para o ser. Assim, uma criança aprende na medida em que, pelas experiência que vai tendo, seus neurônios vão criando mais ligações entre si.
A rotina/constância cria novas ligações? Não necessariamente... Porém, sua função fundamental é fortalecer as ligações existentes. Explico: ao passar por uma experiência nova, realizar um trabalho diferente ou receber estímulos específicos, o sujeitinho, imediatamente, começa a criar ligações neurais. Isso é automático. Porém, essas ligações nunca são formadas de maneira 100% corretas na primeira vez – por isso uma criança nunca aprender algo por completo “de primeira”. Na medida em que o mesmo ensinamento (de qualquer ordem) é repetido em outro momento, de outra forma, por outro sujeito, etc., as partes “certas” das ligações criadas inicialmente vão se fortalecendo, enquanto as partes “erradas” vão se enfraquecendo. Logo, a rotina/constância faz com que o desenvolvimento de ligações produtivas (aprendizagem) seja mais eficiente e que a força dessas ligações seja suficiente para que o aprendizado seja bem fixado e duradouro.
Diante disso, não há como negar: a rotina/constância é sim natural e necessária para qualquer processo educativo.
Mas, como isso se materializa na prática?
Em primeiro lugar, o fato de haver um momento de estudos todos os dias já se constituiu um grande salto para o desenvolvimento da criança. Pode parecer algo superficial ou banal, mas o simples fato de inserir no cotidiano da criança um momento específico para o aprendizado intencional gera resultados surpreendentes.
E se não houver esse momento? Se o ensino for mais “livre” e ocorrer em qualquer momento do dia? A criança deixará de aprender? DE FORMA ALGUMA! Estar inserida em um ambiente com conhecimento já é o suficiente para que uma criança aprenda. Na verdade, o sujeitinho está aprendendo o tempo todo – sabendo disso ou não...
Independente do que fizermos, a criança irá aprender. Porém, ao guiar os pequeninos a dedicar um tempo específico todos os dias (ou, pelo menos, em alguns dias determinados) para o estudo, estamos auxiliando no desenvolvimento da habilidade de compreender e separar momentos distintos (juntamente com as atividades e comportamentos específicos esperados para cada um desses momentos).
É indispensável que um sujeito tenha a competência de saber agir com uma conduta adequada em diferentes momentos (no trabalho, na família, na igreja, em festas, etc.) sem perder sua identidade. E, ao inserir diferentes momentos no dia-a-dia da criança (momento de brincar, de comer, de estudar, de realizar higiene, etc.) estamos auxiliando no desenvolvimento dessa habilidade.
Em segundo lugar, rotina/constância é algo essencial para ajudar no desenvolvimento da responsabilidade e do senso de dever da criança. Por exemplo: sabendo que deverá dedicar três horas do seu dia para o estudo, o sujeitinho terá que se organizar para cumprir essa meta de forma satisfatória. Não podemos negar que, durante a vida, todos precisamos lidar com pressão, com metas, com horários, etc., e inserir isso desde cedo para a criança, através de uma forma agradável e leve (mediante a rotina de estudos), irá potencializar muito o desenvolvimento dessas competências.
Enfim, faltaria tempo e espaço para falar sobre inúmeros outros benefícios da rotina/constância, como seu efeito calmante nas crianças, ou a potencialização da absorção de conteúdos que ela proporciona... Mas, para encerrar este artigo, gostaria de ressaltar que a rotina/constância, apesar de necessária, não precisa ser algo tão rígido que exclui qualquer possibilidade de mudança...
De fato, podemos materializar a rotina/constância de formas muito variadas e criativas:

  • Podemos determinar um horário específico para o ensino (ex: das 8h às 11h);
  • Podemos determinar uma carga-horária para ser cumprida, independentemente do horário (ex: três horas de estudo por dia, em qualquer horário);
  • Podemos determinar um horário de início do período de ensino, com fim indeterminado, dependendo da conclusão de tarefas específicas (ex: o momento de ensino começa às 8h e vai até a criança terminar cinco páginas do livro de estudo + uma tarefa especial).

Enfim... há infinitas formas de se organizar a rotina. O importante é que fique claro para a criança qual será seu dia-a-dia com relação ao estudo.
É claro que, durante todo o dia, o conhecimento e o ensino devem estar ao redor da criança. De forma alguma o aprendizado deve estar restrito ao momento de estudo intencional!!! Não é isso que estou propondo! O momento de estudo é importante, a rotina/constância é importante, mas o aprendizado não pode ficar limitado a esse momento.
Devemos criar um ambiente no qual o sujeitinho estará imerso constantemente no conhecimento. E, nesse ambiente, o momento de estudo intencional será um período fixo em que o aprendizado será mais concentrado e sistematizado, potencializando o processo educacional e desenvolvendo diversas competências necessárias para o sujeito.

Um comentário:

  1. ola Fábio:

    aproveito a oportunidade que você abre para a discussão de um assunto tão caro para nós que estamos praticando uma educação ativa, também chamada de educação livre.
    As palavras não tem sentido próprio, somos nós que damos sentidos a elas, quando houve um certo debate em relação ao uso da palavra – planejamento – o questionamento não estava relacionado a palavra e sim ao sentido que você deu a ela. O mesmo acontece aqui com o uso das palavras rotina/constância, pois o sentido que você da a elas, para mim, também é algo que merece uma boa conversa.
    Quem convive intensamente com crianças conhece uma necessidade muito clara que elas tem em repetir as experiencias, você lê um livro e ela diz - de novo - você faz uma brincadeira, um jogo, uma canção, e se aquilo faz sentido a ela, você vai escutar o pedido - de novo - muitas e muitas vezes.
    Com esse dispositivo ativo nas crianças, a ultima coisa que elas precisam é de rotina/constância “imposta” de fora.
    Porem, antes de entrar no mérito especifico desta discussão, eu gostaria de compartilhar com você a minha percepção do porque isso acontece com seus textos, isso é, você escreve com as melhores intenções do mundo em divulgar, alimentar, incentivar e ajudar a transmutação da educação e aí aparecem algumas mães adeptas a educarem seus filhos, como eu, pra questionar o uso das suas palavras.
    Acontece que você, assim como eu, quando não estou atenta, ainda tem a cabeça de pedagogo, e nós pedagogos fomos muito treinados a ensinar.
    E ensinar e aprender são incompatíveis.
    A não ser que um ensine a si mesmo, o que podemos chamar de aprendizagem.
    Uma criança não aprende porque é ensinada, mas porque lhe é dada a possibilidade de explorar um ambiente propicio, rico, e confiante na sua inteligencia nata, aquela mesma que fez com que ela se construísse a si mesma e assim continuar se construindo por toda a vida – autopoiese (conceito lindamente desenvolvido pelo biólogo Humberto Maturana).
    Nós, adultos formatados, não temos idéia do que uma criança é capaz, mas porque temos mais conhecimento, acreditamos que é através desse conhecimento (informações) que ela desenvolverá sua singularidade e potência.
    Creio que o educador é um parceiro de aprendizagem das crianças e sem duvida um possível facilitador, podendo proporcionar ambientes propícios as crianças e acompanha-las como um observador livre de julgamento, comparação e expectativa, mas cheio de curiosidade, admiração e respeito.
    Acredito que o melhor caminho para os adultos/pais/pedagogos que queiram aventurar-se pelo maravilhoso mundo da educação ativa, seria iniciar-se ao desaprender, tornar-se um educador que desensina, antes de tudo, desensina a si mesmo.
    Sem duvida seu texto/pensamento é provocador de pensamentos ativos e eu ficaria aqui "conversando" com cada parágrafo seu.
    Certamente nos cruzaremos um dia!
    abraço
    com afeto e companheirismo
    Ana


    anathomaz.blogspot.com

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