Para
mim, um dos maiores problemas da (pseudo)educação moderna é a
concepção completamente distorcida de que o ser humano é
definido como tal pela sua inteligência.
Não
bastasse esse raciocínio, com o perdão da palavra, imoral, há
ainda suas “crias”... Uma delas é um parasita que se aloja em
nossas mentes fazendo-nos pensar que “inteligência” significa
“capacidade intelectual”. Já a outra não é um verme, mas uma
droga, um entorpecente que nos faz ter a ilusão de que desenvolvemos
nossa capacidade intelectual – e, consequentemente, nossa
inteligência – através da mera memorização forçada de dados,
informações e conceitos.
Vamos
começar a dissecar esses entes nefastos para compreender o que eles
fazem e como nos afetam – sim, estou me incluindo e incluindo você
também... afinal, ninguém está imune a essa doença macabra...
Em
primeiro lugar, precisamos passar por uma desintoxicação e nos
livrar do vício da droga chamada “decorebina”. Os
efeitos colaterais desse alucinógeno podem variar de pessoa para
pessoa, mas, em geral, o usuário tem alucinações nas quais
acredita ter aprendido algo por memorizar certas informações. É
óbvio que o aprendizado está diretamente ligado à memória e que a
memorização possui um papel muito importante na assimilação de
conhecimentos. Entretanto, somos (des)educados a acreditar que
estamos aprendendo ao decorar as respostas das questões que
cairão na prova e que somos inteligentes se conseguimos decorar de
85% a 100% dessas informações.
Não
importa se decoramos datas para as provas de História, regras para
as de Português ou fórmulas para as de Matemática, Física ou
Química... O fato de memorizarmos algo não significa que
aprendemos. Em geral, até mesmo a memorização é temporária –
ou será que você ainda lembra de todas as informações que decorou
para as provas da infância?
Em
segundo lugar, também precisamos de um tratamento para nos livrar do
verme “Limitadorum inteligencis”.
Esse parasita se alimenta de nossa inteligência global, mantendo
apenas o intelecto como sua moradia. Dessa forma, acabamos por
acreditar que “capacidade intelectual” é sinônimo de
“inteligência”. O vermezinho é tão pequeno que, para muitos,
passa despercebido, mas é tão poderoso que, para alguns
de vocês, até agora minhas afirmações sobre ele não fazem o
menor sentido... Talvez você esteja pensando: “Mas
é claro que intelecto e inteligência são
a mesma coisa...”.
Se esse é o caso, sinto muito em dizer: você está com um
pensamento bastante equivocado... Crer
que a inteligência é formada somente pelo intelecto é o mesmo que
dizer que o corpo humano é formado somente pela cabeça.
De
forma resumida, a
inteligência é a capacidade de compreender e resolver problemas
e/ou superar etapas.
Já
o intelecto é
apenas um
aspecto da inteligência, uma vez que é definido como a parte do ser
humano que raciocina, analisa, compreende algo.
Na
prática é mais ou menos assim: quando encontro algo novo, um
problema, um desafio ou uma etapa a ser vencida, em primeira
instância meus sentidos detectam esse “algo”; logo em seguida
meu intelecto passa a analisar o objeto para identificá-lo,
reconhecê-lo, entendê-lo e buscar opções para interagir com ele.
E aqui determinamos
o limite do intelecto: a resposta para essa interação pode não ser
intelectual, mas emocional/afetiva, física/corporal e/ou
metafísica/espiritual.
Vejamos
um exemplo...
No
caso de uma criança se machucar brincando, os pais usam seus
intelectos para, rapidamente, identificar o que aconteceu e definir
uma estratégia para resolver o problema... Mas, a solução não é
intelectual. Papai e Mamãe precisam cuidar, em primeiro lugar, do
coração da criança, fazendo ela se sentir segura, protegida e
amada. Isso pode ser feito através de um abraço, carinhos, palavras
afáveis, etc. Em segundo lugar, o machucado precisa ser sarado
através de ações físicas – mas sem sessar o cuidado com os
sentimentos da criança. O intelecto está ali, sem dúvida, mas não
está sozinho...
Uma
pessoa que sabe lidar com os outros em nível emocional é muito
inteligente, mesmo que não tenha desenvolvido grande capacidade
intelectual. O mesmo pode ser dito de um artista que pinta com
destreza, um esportista que usa seu corpo de forma espetacular, um
comunicador que cativa o público, etc.
Enfim,
a inteligência é muito mais colorida do que se imagina.
E,
por último, deixo a primeira questão: o
ser humano é definido como tal pela sua inteligência? Espero
que você chegue a uma conclusão pessoal sobre isso, mas, para mim,
a resposta é um estrondoso NÃO!!!
Como disse, considero que a
inteligência é a capacidade de compreender
e resolver problemas e/ou superar etapas. É
muito importante desenvolver nossa inteligência – em todos os
aspectos. Porém, não é isso que nos define como humanos, e muito
menos o que define nosso valor como tais. O
valor de alguém está em sua identidade essencial.
A pergunta que você deve fazer a si mesmo é: “Quem sou
eu?”. A resposta não pode ser
nada sobre “o que eu faço” ou “o que dizem sobre mim”, mas
deve ser algo muito mais profundo... algo que vem do seu ser mais
íntimo sobre “quem você realmente é”.
Se queremos educar de verdade, mais
do que valorizar o intelecto ou obrigar as crianças a decorar
informações, precisamos levá-las em uma aventura: a
aventura de descobrir quem são elas e, ao mesmo tempo, quem são os
outros.
Mas, como sempre, isso precisa
começar por nós educadores – se é que podemos ser chamados
assim. Nós precisamos começar essa jornada e, então, convidar as
crianças a nos acompanhar. O problema é que a “aventura” foi
(des)educada em nós também... Para muitos de nós, talvez seja mais
confortável apenas continuar memorizando as respostas dos livros
para alguma prova...