segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O Mito da Socialização (Parte I)

Creio que chegou o momento de começar a explanar sobre alguns mitos que vêm “assombrando” o universo da Educação Domiciliar, pois a falta de informação relacionada a essas falácias vem causando grande desconfiança naqueles que não ensinam em casa, bem como temor naqueles que são adeptos desse tipo de instrução.
E, para iniciar, nada melhor do que tratar do grande “bicho-papão” do ensino em casa: a socialização. De fato, até hoje, não tive sequer uma conversa sobre ED sem abordar esse assunto e, portanto, é natural começar com a desmistificação desse argumento.
Segundo muitos “especialistas”, ensinar em casa priva a criança de um contato social indispensável para seu desenvolvimento... Pois bem, para começo de discussão, permitam-me oferecer uma excelente contextualização geral sobre o tema desenvolvida por minha amiga Leica Wada no capítulo IV de sua monografia “Educação Domiciliar: uma opção à educação institucionalizada”, apresentada em junho de 2011:

De longe, a hipótese mais equivocada ao se criticar o ensino em casa é a de que esse tipo de instrução não proporciona as experiências necessárias para que a criança se torne um indivíduo socialmente saudável. De acordo com os críticos, a educação domiciliar não proporciona oportunidades para as crianças se socializarem por impedir que os alunos estejam no ambiente escolar institucional, interagindo com outras crianças da mesma idade. Muitos daqueles que se opõem à educação domiciliar, inclusive, acreditam que a instituição escolar é o único lugar que proporciona oportunidades sociais específicas. Em outras palavras, eles acreditam que, se as crianças não estão tendo experiências sociais na escola, não estão se socializando de forma alguma (WYATT, 2008).
Em um primeiro momento esse argumento tende a parecer lógico, pois o ambiente escolar apresenta possibilidades de interação social nas quais a criança irá precisar se relacionar com pessoas muito diferentes, com valores, vivências e ensinamentos diferentes do seu. Entretanto, ao analisarmos esse tema com um maior aprofundamento, percebemos que há um certo equívoco em seu interior. Mesmo que a escola se mostre um ambiente socializador, o que os críticos aparentemente ignoram é o fato de a humanidade ter se socializado muito antes da matrícula obrigatória e, inclusive, muito antes da própria criação da instituição escolar. Durante milênios, o desenvolvimento das habilidades sócio-afetivas ocorria no contexto da própria família e da comunidade que circundava a criança. É fato que, em termos históricos, a educação institucionalizada é relativamente nova para a condição humana. E, mesmo no início da existência da escola enquanto ambiente educador, era através do ambiente familiar que as crianças aprendiam a grande maioria de suas habilidades de socialização (KOCHENDERFER, 2011).
Outro aspecto que precisa ser compreendido diz respeito à postura dos pais que ensinam em casa. Questiona-se se as crianças que recebem a instrução em casa seriam capazes de contribuir para a sociedade ou se tornariam isoladas, atuando como introvertidas na sociedade, incapazes de lidar com os acontecimentos mais complexos do mundo real, desajustadas, reclusas sociais, ou fora de sintonia com a sociedade (REED apud CHATHAM-CARPENTER, 1992). Contudo, o simples fato de os pais terem optado pela educação domiciliar já demonstra uma enorme preocupação com a educação de seus filhos, o que leva a crer que esses pais irão almejar a melhor forma de proporcionar aos seus filhos todas as habilidades necessárias para a vida adulta – inclusive, habilidades sociais.
Apesar das fortes críticas que tentam apontar os alunos domiciliares como deficientes sociais, diversos pesquisadores têm encontrado uma imagem extremamente positiva com relação à socialização das crianças educadas em casa. Segundo esses pesquisadores, crianças ensinadas em casa, não apenas são expostas a oportunidades que promovem interações sociais positivas, mas também são protegidas de diversas fontes de socialização negativa (SCHETTER; LIGHTHALL, 2009).
Segundo Ballman (1987), existem dois tipos de socialização: a positiva e a negativa. A socialização positiva desenvolve responsabilidade, cooperação, altruísmo, fidelidade, amor e confiança bilateral, o que desenvolve uma boa autoestima na criança a partir de um ambiente afetivo positivo. Já a socialização negativa baseia-se na influência dos pares [crianças em idade aproximada], o que gera rivalidade, disputa, egoísmo, dependência entre pares, desaprovação e desprezo, o que molda uma baixa autoestima na criança – que responde rapidamente à pressão do grupo. Segundo o autor, a socialização negativa é o resultado da separação da criança de sua família de forma prematura e dos anos de divisão obrigatória por faixa etária.
Refletindo sobre a retórica negativa com relação à dependência dos pares, Moore (apud CHATHAM-CARPENTER, 1992) e White (2010) sintetizam: crianças que passam mais tempo com seus pares do que com seus pais tornam-se dependentes dos pares. Por sua vez, isso leva à perda de autoestima, otimismo, respeito aos pais e, até mesmo, à confiança exagerada em seus pares. Como são divididas por faixa etária, sentem-se mais confortáveis apenas com outras crianças da mesma idade, desenvolvendo, essencialmente, um tipo negativo de sociabilidade, o que gera disputa, competitividade e egoísmo.
Em contrapartida, pesquisas têm demonstrado que crianças educadas em casa são, de fato, expostas a um volume de contatos sociais quase tão intenso quanto crianças que frequentam escolas. No entanto, o fator determinante nesse caso não é o número de contatos em si, mas a qualidade da interação social (CHATHAM-CARPENTER, 1992).
Segundo Chatham-Carpenter (apud SCHETTER; LIGHTHALL, 2009, p. 15), “crianças educadas em casa estão mais expostas a interações sociais positivas que promovem comportamentos pró-sociais, em vez de interações sociais negativas, que podem promover comportamentos sociais e atitudes negativas”. Medlin (apud SCHETTER; LIGHTHALL, 2009) fundamentou essa descoberta através de um estudo que analisou 70 alunos educados em casa e 70 alunos educados em escolas. Seus dados indicam que o autoconceito foi mais positivo nos alunos educados em casa, que também apresentaram, de forma significativa, menos transtornos comportamentais.
Comportamentos sociais são desenvolvidos enquanto as crianças interagem com outras pessoas de faixas etárias diversas. As crianças observam os comportamentos dos sujeitos mais experientes (mais velhos) e, a partir da observação do que podem fazer ou se tornar, aprendem a tolerar, cooperar e aceitar as diferenças (BRONFENBRENNER; MAHONEY, 1975). “É no constante contato com as pessoas mais experientes que a criança começa a desenvolver as formas de comportamento mais complexas, que caracterizam o ser humano” (SCHEBELLA, 2007). Para Vigotsky (apud SCHEBELLA, 2007, p. 51), “a natureza humana é, desde o início, essencialmente social: é na relação com o próximo, numa atividade prática comum, que os homens, mediados pelos signos e instrumentos, se constituem e se desenvolvem enquanto tal.”
Neste sentido, uma das vantagens da educação domiciliar com relação à questão da socialização é o fato de as crianças educadas em casa terem mais oportunidades para interagir com pessoas de várias idades, capacidades, etnias e diversidades socioeconômicas todos os dias no mundo real, em vez de serem artificialmente agrupadas numa sala de aula, na qual são obrigadas a permanecer e interagir com as mesmas crianças, que têm exatamente a mesma idade, estão na mesma trajetória acadêmica, são da mesma área geográfica e situação sócio-econômica (KEITH; KOCHENDERFER; WHITE, 2011).
Segundo Schebella (2010), “o contato com a diversidade, bem como o relacionamento com outras pessoas é muito importante para ajudar a criança a se preparar para a interdependência social que encontrará enquanto adulto”. A socialização na educação domiciliar é mais abrangente do que em escolas públicas, pois, enquanto crianças que frequentam escolas estão confinadas em uma sala de aula juntamente com seus colegas e um professor, as crianças educadas em casa têm a oportunidade de viajar e aprender através de experiências práticas (MCDONALD, 2011).
Sobre o assunto, Ballman (1987, p. 185) afirma que “a criança educada em casa tende a misturar-se livremente com todas as idades e não apenas com um grupo de faixa etária específica” (Tradução nossa). Corroborando com essa afirmativa, Wensel (2010) ressalta que a socialização na educação domiciliar ocorre de forma natural entre grupos etários diferentes.
Surpreendentemente, as pesquisas têm demonstrado que a discriminação etária entre crianças educadas em casa é muito rara, não havendo “panelinhas”, sentimentos de superioridade em relação às crianças mais novas, intimidações ou exclusão. Em vez disso, o que se pode observar é que crianças educadas em casa se divertem ao brincar com crianças e jovens de todas as idades e aprendem uns com os outros com satisfação. Interações entre crianças da mesma idade também ocorrem, mas é normal ver crianças mais velhas divertindo-se ao brincar com outras mais novas e vice-versa.
Kaiser (2011) aponta duas questões:

É fato que crianças que frequentam escolas passam mais tempo ao redor de uma quantidade maior de crianças do que aquelas educadas em casa, mas será que elas estão se socializando? Será que elas realmente estão aprendendo a interagir com outras pessoas? As crianças passam a maior parte do dia na escola de forma altamente controlada, com muito pouco tempo livre. Em muitas escolas, quando há intervalos, eles são limitados a 15 minutos ou menos, e até mesmo na hora do almoço, as crianças não são permitidas a falar muito (s.p. Tradução nossa).

Corroborando com essas colocações, Keith (apud KOCHENDERFER, 2011, s.p.) afirma que “as escolas convencionais não são propícias à socialização e, de fato, os alunos chegam a ser punidos se eles tentarem se socializar em sala de aula” (Tradução nossa). Além disso, o pouco tempo de socialização que ocorre é restrito à interação dentro de uma faixa etária muito limitada, já que as crianças permanecem agrupadas por série. Dentro desse grupo, as crianças tendem a se subdividir por sexo e, em muitos casos, por etnia. Essa forma de socialização apenas ensina os alunos a se relacionarem com pessoas com quem têm muitas coisas em comum, mas não os prepara para interagir com uma variedade de pessoas (KAISER, 2011).
Segundo Kaiser (2011),

os problemas que existem nas escolas com relação à socialização não são em si um motivo suficiente para se optar pela educação domiciliar. Pois para educar um filho em casa, os pais devem ter como foco a educação da criança. Mas o argumento de que as crianças devem frequentar a escola para serem socializadas e aprender a interagir é equivocado. Conheço mais adultos tímidos, introvertidos, ou socialmente ineptos que frequentaram a escola do que adultos que foram educados em casa. A maioria daqueles que foram educados em casa que conheço possuem habilidades sociais mais do que aceitáveis, adquiridas, em grande parte, a partir da interação social no mundo real, e não na escola (s.p. Tradução nossa).

White (2011) também afirma que crianças educadas em casa são geralmente seguras, confiantes, independentes e estáveis, pois compartilham relações com pessoas de diferentes faixas etárias e origens. Em contrapartida, Piaget e outros autores (apud CHATHAM-CARPENTER, 1992) defendem o valor da socialização entre pares no desenvolvimento das competências sociais da criança. Esses autores observam oportunidades nas interações entre pares como necessárias e importantes para o desenvolvimento de uma criança. Ao fazer isso, eles não negam o papel dos pais na socialização, mas veem a socialização entre pares como sendo tão importante quanto seu próprio direito – dessa forma, suportam um modelo duplo ou de múltiplos processos de desenvolvimento (CHATHAM-CARPENTER, 1992).
Esse modelo duplo/múltiplo pode ser obtido sem a criança ter que, necessariamente, frequentar a instituição escolar, dado que essa experiência pode ser efetivada através de diversas atividades extracurriculares proporcionadas pelos pais às crianças educadas em casa, tais como: escolas de idiomas, esportes, música, artes, etc. Através desse tipo de atividade, os pais estão proporcionando a seus filhos uma diversidade de contatos sociais com pessoas da mesma idade, de idade diferente, de diferentes origens e situações sociais, mas que demonstram o mesmo interesse pela atividade escolhida.
Segundo Schebella (2007),

deve-se, em qualquer instância, ter em mente o cuidado de não se permitir que a instrução no lar “feche” a criança no microverso familiar. Para que isso não ocorra, há inúmeras possibilidades de ações de cunho socializador que permitiriam o contato e as trocas necessários para o desenvolvimento infantil (2007, p. 51).

Entre as inúmeras possibilidades capazes de proporcionar o contato social às crianças, Schebella (2007) também sugere em seu trabalho diversas ações, tais como:

- atividades comunitárias – rua do lazer, festas populares, trabalhos voluntários (compatíveis com a idade da criança), etc.
- atividades esportivas – torneios amadores, competições interbairros, escolinhas de futebol/vôlei/xadrez…, etc.;
- atividades em espaços públicos – praças, parques, ginásios, centros comunitários, etc.;
- visitas – não somente a outros integrantes da comunidade, mas a asilos, locais de trabalho (dos pais ou outros), corpo de bombeiros, etc.;
- atividades culturais – C.T.G’s, grupos de danças típicas, grupos de resgate cultural/étnico, etc.;
- atividades religiosas – participação em atividades eclesiásticas, escolas dominicais, etc.;
- atividades em conjunto com outras crianças instruídas em casa – há, ainda, a possibilidade de se reunir alguns “alunos do lar” para que, juntos, assistam a uma aula “especial”, ou para que façam trabalhos/pesquisas em conjunto.

Como podemos notar, a educação domiciliar não impossibilita, de fato, o desenvolvimento social das crianças, nem as tornam reclusas sociais, como apontado pelos críticos. Ao contrário, essa modalidade educacional se mostra bastante positiva em termos de desenvolvimento e aprendizado social.
Entretanto, cabe ressaltar que, como todos os demais aspectos relacionados à instrução de uma criança no lar, é de grande responsabilidade dos pais proporcionar ao educando o acesso às mais diversas oportunidades de contato social, para que ele possa, então, usufruir de um desenvolvimento social saudável.

(CONTINUA NA PRÓXIMA SEMANA...)

3 comentários:

  1. Olá! Parabéns pela texto! Realmente o assunto é bastante pertinente a nós pais, que somos adeptos da educação domiciliar! Minha filha frequentou no ano passado a escola tradicional e demonstrava bastante satisfação com a mesma! No entanto, após a metade do ano houve uma desmotivãção evidente e ela pediu para não ir mais às aulas. Concordei logo, porque ela só tem 4 anos e não acho necessário escola nesta idade. A razão dela ter iniciado foi escolha dela, que pedia insistentemente. Comecei , então, o processo de educação domiciliar e gostei bastante. Me inspirei em blogs de pessoas que já fazem o mesmo em outros países, adotei uns materias do Kumon, estudamos arte brasileira, etc...em 3 meses ela já estava lendo e escrevendo, o vocabulário ampliou visivelmente, além de outras inúmeras melhoras de raciocínio, etc...No entanto, percebi a falta que ela sentia dos coleguinhas, a vontade de ter outra criança para brincar, apesar de frequentar natação e balé...nestas atividades o tempo com outras crianças é curto e não tempo para brincar....na parte da tarde todas as outras crianças estão na escola...é difícil! Outro ponto negativo: minha filha é muito sociável e independente. Quanto a socialização nãi vi nenhuma mudança, continua da mesma maneira, talvez ainda mais sociavel, com mais iniciativa para fazer amigos. Mas mostrou-se mais dependente de mim para a realização da atividades, recusou-se a fazer algumas atividades sozinha, queria a minha presença...estes são, para mim, os dois pontos negativos. Talvez valesse a pena abordar estes assuntos numa outra oportunidade. Abraços.

    ResponderExcluir
  2. Os pais devem ter bem claro, que, a educação em casa, gera condições de dar exclusiva atenção à criança que está em formação...Um ambiente propício ao estudo, com silêncio, condições de concentração...Interesse de ambas as partes no estudo para a vida...

    ResponderExcluir
  3. Excelentes colocações!
    Parece que alguém quer para si o controle que a família devidamente organizada deveria ter.
    Institucionalizando a Educação, da forma que hoje existe, e promovendo na mídia o que se te permitido promover, mantém-se o controle das famílias e consequentemente do cidadão.
    Parece que a Educação domiciliar, devidamente formatada, regularizada, incentivada e orientada dá ares de ameaça a institucionalização do caos que já se instaura desde há muito tempo e que interessa a quem atualmente detém o poder, seja de qual forma for, desde que se beneficie deste.
    Mas, educar em casa já é uma prática. Pois quando deixamos nossos filhos colados na TV (aberta ou por assinatura), compenetrados nas mídias sociais da internet ou torpedeando sem parar nem se sabe lá com quem, tudo sem supervisão o orientação, estamos cumprindo integralmente o que alguém deseja que façamos - Educamos os nossos filhos a valorizar muita coisa inútil e deixamos o resto para o currículo institucionalizado promovido pela escola fazer...
    Claro que há muita coisa boa e muitas atividades positivas em todas as fontes citadas, mas o discernimento para distingui-las está ativo e preparado em o nosso jovem?
    Educação domiciliar é a verdadeira revolução da educação.
    E isso assusta quem pode perder o controle.

    ResponderExcluir

Agradeço sua participação... ela é muito importante!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...