segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Aprendizagem: Processo Social ou Natural?

Algum tempo atrás, uma pesquisadora – que também é uma querida amiga – , a meu pedido, deu seu parecer quanto ao conteúdo de meus artigos, bem como sugestões para qualificar as discussões relacionadas à Educação Domiciliar e minha própria pesquisa sobre a temática.
Durante uma conversa, essa colega pedagoga levantou uma questão que considero bastante pertinente:
a aprendizagem realmente é um processo natural, ou seria uma construção social?
Lançando um olhar que se paute em algumas teorias da psicologia do desenvolvimento, poderíamos concluir que só há aprendizagem quando da existência de mediação do conhecimento. Neste caso, essa mediação somente pode se efetivar através de um sujeito ou de algum aparato desenvolvido por um ou mais sujeitos. Dessa forma, o processo de ensino-aprendizagem seria concebido como social, e não natural.
Porém, permitam-me problematizar essa lógica:
O processo de ensino-aprendizagem é, indubitavelmente, social. Entretanto, como ficaria a situação se dissociássemos os dois elementos? Explico: pensando no ensino e na aprendizagem isoladamente.
Deveras, como o próprio Paulo Freire já afirmava, não existe ensino sem aprendizagem – não existe docência sem discência. Para mim, não há dúvidas quanto a isso. Todavia, existiria a aprendizagem sem o ensino? Alguém pode aprender sem que outro sujeito o ensine?
Pensemos em um experimento fictício – afinal, seria cruel demais para ser realizado no mundo real. Um grupo de cientistas mantém um bebê recém-nascido em uma sala sem qualquer contato com outro sujeito. Através de algum sistema, eles alimentam o bebê e cuidam de sua saúde sem contato social. Nessa triste situação, será que, algum dia, o sujeitinho aprenderia alguma coisa? Talvez nosso impulso seja dizer que não, que sua consciência não passaria de suas percepções sensoriais...
Mas, será que essas mesmas percepções sensoriais não seriam capazes de permitir ao bebê descobrir, por exemplo, onde seu próprio ser termina e onde começa o resto do universo? Ou mesmo, que existe um universo exterior a ele próprio? Creio que sim...
Talvez o bebê dessa fatídica experiência nunca aprendesse a ler e escrever – ou mesmo falar – , mas, com certeza, aprenderia alguma coisa – por mais cru e bruto que fosse esse conhecimento.
Talvez, algum pesquisador da área possa me ajudar, mas creio que os neurônios de um ser humano estão, desde seu nascimento, prontos e ávidos por criar ligações com outros neurônios – o que, por si só, constitui-se aprendizado. A aprendizagem pode ocorrer através das percepções sensoriais, mediação social, situações de tentativa e erro ou mesmo de análise introspectiva, mas sempre será aprendizagem por criar ligações neurais inexistentes previamente.
Vou além e afirmo, como podem confirmar especialistas da medicina, que esse processo já ocorre antes do nascimento, ainda no útero materno!
Diante disso, não tenho como não afirmar que a aprendizagem é sim um processo natural. E, dessa forma, o ensino deve ocorrer levando-se em consideração essa natureza aprendiz do ser humano.
Talvez haja algum "furo" em um de meus argumentos, ou talvez haja pesquisas que tragam um olhar bem mais aprofundado sobre a questão. Por isso, peço a vocês leitores e colaboradores que me enviem comentários, seja para corroborar o pensamento aqui apresentado, seja para demonstrar suas fragilidades e falhas...
Entretanto, pautados no que foi exposto até agora, podemos concluir que a aprendizagem é um processo natural – mesmo estando estreitamente ligado com o convívio social. Dessa forma, passamos para um outro nível de discussão: sendo a aprendizagem um processo natural, seu desenvolvimento proposital e mediado terá maior eficácia sendo administrado no âmago do lócus mais comum e familiar ao sujeito aprendiz.
O que tudo isso significa?
Primeiramente, me refiro ao “desenvolvimento proposital e mediado da aprendizagem” como a educação elaborada, ou seja, aquela através da qual buscamos transmitir à criança os saberes elaborados durante a história humana, bem como desenvolver nela as habilidades necessárias para sua vida social e profissional. Comumente, tratamos desse tipo de mediação como “educação escolar”, o que se constitui um equívoco, já que não se trata de um processo exclusivo das instituições escolares.
Neste sentido, considero que essa educação elaborada é proposital porquanto um sujeito a propõe a outro sujeito menos experiente com o objetivo de torná-lo mais apto. Da mesma forma, a considero mediada pois, neste caso sim, sempre haverá algum tipo de mediação entre o conhecimento existente e o sujeito.
Tendo esses conceitos em mente, dou prosseguimento a meu raciocínio... Nos últimos séculos temos tentado criar um espaço ideal no qual as crianças possam aprender tendo o aporte de profissionais especializados, metodologias e materiais adequados e uma estrutura especialmente planejada. Chamamos isso de escola. Talvez, para a maior parte das pessoas, a escola constitua o lócus ideal para a educação elaborada, uma vez que foi criada para isso. Porém, o que muitas vezes nos passa despercebido é que, ao tirarmos uma criança de seu lar e a inserimos em uma escola, podemos acabar forçando ou artificializando o processo natural de aprender.
Consideremos: o sujeitinho é inserido em um local estranho – diferente de qualquer outra estrutura que já tenha visto – , com dezenas ou centenas de outras crianças que não conhece, precisa se adaptar a regras e rotinas totalmente novas e (aos seus olhos) sem sentido, além de ter que se submeter à autoridade de outros adultos que não reconhece. E, para piorar tudo: está totalmente desprovido do sentimento de segurança proporcionado pela presença de sua família.
É nesse ambiente “hostil” que a criança terá que se esforçar (ou ser forçado) a aprender coisas como ler, escrever e fazer contas – conhecimentos que não lhe fazem o menor sentido (!), uma vez que não os visualiza no dia-a-dia fora da escola.
Não estou afirmando que todas as escolas apresentam a imagem assustadora que pintei no parágrafo anterior... Nem mesmo que a escola não possa se constituir um espaço adequado para uma educação natural... Por favor, não interpretem mal minhas palavras!
Mas tenho sim que testemunhar que, na maior parte das vezes, as instituições criadas e mantidas sob nosso sistema escolar têm apresentam como consequência da massificação educacional um quadro igual ou pior do que aquele que aqui apresento...
Neste ponto gostaria de afirmar que não milito pela destruição das escolas. Pelo contrário: admiro muito quem luta por uma educação escolar de qualidade. Eu mesmo ficaria deveras feliz ao ver um Brasil com instituições escolares adequadas auxiliando e maximizando o potencial de aprendizagem das crianças. Porém, minha luta é outra...
Milito pela possibilidade de haver uma alternativa à educação escolar – com efeito, uma alternativa, não um substituto...
Talvez, um dia tenhamos escolas com uma qualidade extrema. Mas, mesmo assim, considero importante também termos o direito de educar nossos filhos em casa...
A educação no Brasil apresenta sérias limitações. Porém, mesmo em uma realidade diferente, na qual as instituições escolares oferecessem uma instrução formal 100% adequada e funcional, os pais deveriam ter o direito de escolher a modalidade de ensino para seus filhos.
É interessante que, quando uma empresa ou produto controla com exclusividade um setor do mercado, isso é chamado de monopólio, mas esse mesmo pensamento parece não ser aplicável à educação quando a situação posta apresenta a escola como única possibilidade para instruir formalmente um sujeito.
Mas, deixando essa questão do direito para outra oportunidade, e voltando ao tema deste artigo...
Como já explanei, uma criança aprende a falar – processo este que poderia ser considerado um dos mais complexos a ser apreendido – com naturalidade por estar incluso em um ambiente falante. Essa familiaridade com a fala, essa imersão em um ambiente em que, naturalmente, se está falando, em que a fala surge como uma necessidade para a sobrevivência do ser, bem como para suas relações sociais e, até, para seu autoconhecimento, faz com que o sujeitinho se desenvolva e aprenda (ou aprenda e se desenvolva...). Nessa mesma linha de raciocínio, poderíamos deduzir que qualquer conhecimento inserido na realidade da criança, em seu dia-a-dia, será apreendido com mais rapidez e facilidade.
Neste sentido, podemos perceber que temos um grande problema com a educação escolar: como boa parte do que ali é ensinado não é aplicado (ou mesmo visualizado) no quotidiano da criança, esses conhecimentos, a princípio, parecem não ter sentido fora da escola. Porém, se os mesmos conhecimentos forem apresentados no lar do sujeito como algo comum, algo que faz parte da vida, algo necessário e, até, divertido, poderão ser assimilados com tanta eficiência e naturalidade quanto a fala.
É claro que isso não é tarefa fácil, principalmente se considerarmos alguns conhecimentos específicos. Porém, minha proposta é aplicar o princípio da naturalização do aprendizado especificamente ao próprio processo de assimilação e elaboração de conhecimentos. Explico: o que deve ser internalizado pela criança como algo natural, necessário e prazeroso não são os conhecimentos em si, mas o próprio ato de estudar, pesquisar, elaborar...
As pesquisas realizadas em países em que existe o homeschooling têm demonstrado que os sujeitos ensinados em casa apresentam um nível muito alto de autonomia, autodisciplina, autodidática e curiosidade científica. Por quê? Porque eles aprenderam a estuda da mesma forma que aprenderam a andar de bicicleta, nadar ou utilizar o controle remoto da televisão. Aprender faz parte da vida dessas pessoas da mesma forma que outra práticas corriqueiras e, por isso, aprendem de forma natural.
Volto a dizer que esse princípio também poderia ser aplicado em uma instituição escolar adequada, porém, mesmo assim, o lar da criança tem vantagem, uma vez que o sujeito já está ali, e já está aprendendo ali, com regras que conhece e compreende (pelo menos em parte), com autoridades que reconhece e respeita. Enfim, com as adequações e formatações corretas, o ambiente familiar pode-se tornar o maior potencializador do processo de ensino-aprendizagem de qualquer criança.

3 comentários:

  1. nossa bastante inteligente sua tese e bem elaborada!!! eu concordo com vc desde o ventre ja adquirimos o aprendizado claro q a interação com a sociedade no geral aumenta nossos conhecimentos contudo somos seres racionais pensamos entao ainda q sem qualquer contato aprendemos bjxx julia

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  2. Óbvio que a aprendizagem é um processo natural. Qualquer cintista (neurologista) sabe disso. O problema é que os "estudiosos da educação" dificilmente ouviram falar de neuropedagogia ou ao menos se deram ao trabalho de pesquisar um pouco do assunto. Atualmente a Educação é muito mais uma questão política (no pior sentido da palavra) que científica (mesmo no mais simples sentido de ciência).

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  3. Eu gostei desta postagem porque traz a tona um assunto muito profundo. Nossa cultura ocidental tem uma tendência a dicotomizar tudo. Sempre algo precisa ser elevado, levantado, etc., às custas, ou em contrapartida de outra coisa. Parece que, se aceitarmos que o aprendizado é natural, não se pode cogitar (pelos menos de forma acadêmica) a possibilidade de aprendizado como natural e como construção social sendo co-existentes e colaborativos. Em termos pragmáticos, prega-se a colaboração em todos os níveis sociais, mas, em termos teóricos/acadêmicos parece que tudo tende a se desintegrar e cada ideologia e conceito se separa e outorga-se como absoluto isolando-se das demais idéias no mercado livre de conceitos. Nós vivemos uma espécie de esquizofrenia ideológica. Pregamos uma coisa, mas vivemos outra porque a realidade nos força a conclusões diferentes do dia-a-dia.
    Eu tive dificuldade de entender isso até que um dia li um livro que explicou as origens filosóficas disso.
    Será que as instituições acadêmicas não teriam como mudar este conceito fragmentarista da realidade? Seria interssante, por exemplo, poder existir uma maneira de trabalhar várias idéis e conceitos vendo-os trabalhando juntos ao invés de serem conceitos antiteticos em constante combate (será que estou vendo Hegel nos nossos conceitos?).
    É o meu pensamento, mas gostaria de ouvir de outros.

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